Um prédio de mais de 700 m2 sustenta uma cúpula de 20 metros de altura, perdida na imensidão dos Andes chilenos. Quem entra no observatório Soar, em Cerro Pachón, a 2.701 metros de altitude, vê o maquinário silencioso. A impressão é que se está diante de um brinquedo grandioso, que ficou ali guardado por alguém.
Mas a aparente imobilidade é rompida com as explicações técnicas do astrônomo residente Luciano Fraga, 32, que há um ano e sete meses se mudou para a pacata La Serena, no Chile. O Soar, claro, é mais do que um videogame sofisticado. Inaugurado em 2004, começou agora a funcionar "em velocidade cruzeiro", dedicando mais tempo à observação científica e menos a trabalhos de ajuste.
A experiência ganha no projeto permitiu ao Brasil entrar no setor comercial de serviços para astronomia. Um contrato acaba de ser fechado com a Universidade de Liverpool, que comprou fibras ópticas especiais. Elas são usadas num equipamento que pode ser acoplado a outros telescópios. Uma rede com essas fibras permite que uma galáxia, por exemplo, seja analisada 1.300 vezes ao mesmo tempo.
"O contrato é de 60 mil, praticamente o preço de custo", diz Bruno Castilho, pesquisador do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica), um dos responsáveis pelo desenvolvimento da rede de fibras ópticas. "Essa, vendida para os ingleses, vai equipar um telescópio nas Ilhas Canárias."
O LNA é a unidade de pesquisa que gerencia a participação do país no Soar --o Brasil entrou como investidor majoritário na construção do observatório, com recursos federais e do Estado de São Paulo. Os outros três parceiros são americanos: o Noao (Observatório Nacional de Astronomia Óptica), a Universidade da Carolina do Norte e a Universidade Estadual de Michigan.
Cérebro eletrônico
O trabalho de Castilho, em Minas Gerais, já é fruto direto dos caminhos abertos pelo telescópio no Chile. As fibras ópticas foram desenvolvidas primeiro para um equipamento que será instalado próprio Soar, no segundo semestre.
Dentro da cúpula é fácil perceber que o conjunto de espelhos é a alma do telescópio. Os instrumentos de análise, acoplados à parte principal da máquina, são os "cérebros artificiais" dos astrônomos. Os principais são os espectrógrafos, instrumentos que separam a luz em frequências --cores-- e permitem que uma análise detalhada seja feita. O espectro de frequências da luminosidade de uma estrela, por exemplo, revela de quais elementos químicos ela é formada.
O Soar, com a chegada do Sifs (um novo espectrógrafo alimentado por 1.300 fibras ópticas), terá seis desses aparelhos. A leitura da informação é feita a partir da luz desviada pelos espelhos. Astrônomos escolhem qual espectrógrafo a usar em cada momento dependendo do tipo de pesquisa. Basicamente, a diferença entre eles é a frequência das ondas captadas.
"Made in Brazil"
"Já existe uma indústria sendo criada em razão do Soar", diz o astrônomo João Steiner, da USP (Universidade de São Paulo), um dos principais articuladores da entrada do Brasil no telescópio. "Isso tudo começou em 1994", diz. Pelos cálculos de Castilho, pelo menos 50 cientistas estão envolvidos diretamente na construção dos equipamentos.
Em 2010, mais um instrumento entrará em funcionamento. O Steles, feito por vários grupos, permitirá que um astro seja observado, ao mesmo tempo, na faixa do ultravioleta e do infravermelho. "Depois, os dados podem ser comparados", diz Castilho.
A entrada em operação de todos os seis instrumentos significa que o Soar está "amadurecido" para os astrônomos. Os equipamentos que chegarem a partir de agora serão a segunda geração. "A partir deste mês, teremos 80% do tempo do telescópio voltado para a geração de ciência" diz o diretor do Soar, Stephen Heatcote, inglês radicado no Chile há duas décadas.
O Soar desfruta em média de 300 noites boas de observação astronômica por ano. (Minas Gerais, em comparação, tem 180.) Nos dias restantes é feita a calibragem dos espectrógrafos. Em 2010, a expectativa é que 95% do tempo do telescópio seja usado com fins científicos, ao custo de US$ 12 mil por noite.
Segundo Steiner, que articula a participação brasileira em outros supertelescópios, mesmo antes de o Soar deixar essa indústria técnica brasileira robusta, a produção científica da astronomia nacional já cresceu. "O número de artigos publicados já é três vezes maior", diz.
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